Um país se faz com palavras e música.
Homens, mulheres, construções – todo o resto é consequência da poesia que dá forma ao território. O fato de uma afirmação como essa soar algo extraordinária, em vez de óbvia, só demonstra o quanto nos distanciamos de nosso próprio espírito. Não seremos nunca um povo se não formos capazes de fazer ressoar cada um de nós na fibra de nosso corpo a vibração viva que vem do corpo do vizinho e do vizinho mais distante. Como uma nota atravessa uma corda, assim as canções dos corações, das lidas, das tragédias, dos segredos, dos delírios e das esperanças podem atravessar a carne, os pés, as mãos, os olhares e as vozes de nossos corpos, dos corpos de nossos coirmãos e se fundir numa grande ressonância insuspeita – assonante, dissonante, polifônica, a canção de nossa história como o murmúrio do mar e do céu cortando nossa existência e nos dizendo que apesar de tanta distância e particularidades, somos ainda fragmentos de um todo imenso, de um corte do infinito.
Num país com a dimensão continental do Brasil, vemos pela TV com certa constância e bastante superficialidade – muitas vezes em representação caricatural – algumas diferenças regionais de sotaque, de indumentária, de culinárias típicas, de repertórios musicais. Mas essas representações midiáticas, em geral, dão uma falsa ideia de homogeneidades regionais – confundem a divisão do país em regiões políticas e assimilam toda a diversidade daquele território a uma máscara homogênea. É um jogo de faz de conta em que se finge que uma caricatura de pernambucano “típico” seria a representação do universo infinitamente mais vasto e rico do Nordeste, inclusive do próprio Pernambuco. O mesmo ocorre com o estereótipo do gaúcho campeador que parece fagocitar toda a diversidade do sul, o peão do Pantanal, o caipira mineiro.
A pretexto de dar a ver uma diversidade regional, essas representações engessadas terminam por escamotear a diversidade real do povo brasileiro que não se reduz a tipos regionais. Para se perceber essas singularidades maias que poéticas, é preciso aprender a ouvir os sons que vem das profundezas do Brasil. É preciso escutar os múltiplos timbres, as diferentes falas, as histórias contadas aqui e acolá, perceber como esses sons e textos podem ressoar uns nos outros mas sem se reduzirem uns aos outros. Ouvir essa multiplicidade de brasis não-típicos nos capacita verdadeiramente para conhecer o Brasil plural, o Brasil de mil faces e mil vozes. Isso ao mesmo tempo nos educa para a tolerância, a convivência, a democracia – portanto, para a liberdade.
Claro que há dificuldades colossais envolvidas aí. Nossas barreiras culturais, nossa resistência à alteridade, nosso adestramento colonial que tende a rejeitar tudo que nos é interno, interior, e a buscar a valorizar aqui que é do exterior. Mas a primeira de todas as barreiras é mesmo a física – há sempre que se considerar o tamanho extraordinário do território do Brasil, a distância abismal que separa algumas de suas cidades e consequentemente algumas de suas expressões umas das outras. Para aqueles problemas, só a história, a educação e a experiência de contato podem, com o tempo, trazer soluções – que jamais serão definitivas. Para viabilizar o contato e confrontar essa dificuldade mais material, existe o Sonora Brasil.
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